quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Carta ao Presidente da Capes

Prezado Professor Doutor Jorge Almeida Guimarães,


Viemos, por meio desta, manifestar formalmente nossa insatisfação quanto à falta de diálogo entre as agências de fomento – e, aqui, enfatizamos a Capes – e os Pós-graduandos. Em diversos eventos informativos ou de recepção de novos estudantes, buscamos contatos com esta agência e não obtivemos retorno.

Enfatizamos que não somos estudantes que passivamente adquirem conhecimento gerado pela universidade, mas nos dedicamos intensamente à pesquisa, ao ensino e a diversos projetos de extensão. Assim, afirmamos, sem sombra de dúvidas, que nossa participação na produção de conhecimento é fundamental e não está recebendo o devido reconhecimento nem social nem econômico.

Reivindicamos, como historicamente outras organizações de pós-graduandos demandaram:

  • Que seja cumprido o PNPG 2005-2010, com o devido reajuste de bolsas;

  • Que haja uma negociação anual – como há em outras classes – por reajuste justo e regular;

  • Que o estabelecimento do valor da bolsa leve em conta os altíssimos custos de viver nos grandes centros urbanos e, portanto, que as bolsas sejam niveladas pelos locais com maior custo de vida;

  • Acréscimo de um valor de taxa de reserva/bancada que os alunos possam gerir, de forma a adquirir materiais, livros e equipamentos que estejam relacionados a suas pesquisas, como há em outras agências de fomento.

  • Que as bolsas permitam alguma estabilidade aos alunos – o que não ocorre atualmente, uma vez que os programas podem cancelar as bolsas a qualquer momento sem abrir qualquer processo interno ou apresentar qualquer justificativa;

  • Que os pós-graduandos sejam socialmente reconhecidos como pesquisadores que somos e que negociemos direitos trabalhistas tais como décima-terceira bolsa e que a pós-graduação conte como tempo para a aposentadoria.


Da forma como atualmente se encontra a pós-graduação, nos questionamos se a decisão mais acertada foi, de fato, perseverar na vida acadêmica ou se seria mais conveniente a iniciativa privada ou os mais diversos concursos públicos que conferem muito mais reconhecimento e direitos. A vida acadêmica não deve ser vista como uma vida de sacrifícios, mas como uma profissão tão digna e respeitável quanto todas as outras.

Os atuais valores de bolsas e a falta de estabilidade tornam proibitiva a ida de muitos estudantes de outras regiões para grandes programas de pós-graduação, mantendo-os restritos a uma certa elite econômica; impede que se constituam famílias; a falta de taxa de reserva/bancada restringe a participação em eventos acadêmicos e por muitas vezes atrasa a pesquisa.

Uma vez que o discurso corrente é de que devemos ser produtivos, afirmamos que a postura da Capes em relação aos pós-graduandos é extremamente contraproducente, pois, ao invés de prover condições para que desenvolvamos pesquisas de qualidade em prazos reduzidos, coloca os alunos em segundo plano, nada fazendo após as tão difíceis reuniões e, portanto, tornando necessária nossa atuação política mais enfática.


Atenciosamente,

Pró-Pós – Movimento de Pós-Graduandos da Unicamp.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Mas o que têm pós-graduandos a ver com Marcha das Vadias?

É comum pensarem que pós-graduandos vivem confinados em suas pesquisas sobre o brilho da ponta da agulha refletindo o sol de meio-dia e não fazem mais nada da vida. Alguns pós-graduandos, inclusive, pensam e agem dessa forma. Há muitos, entretanto, que eventualmente se engajam em algumas causas. Nesse grupo, há, ainda, aqueles que lutam continuamente por uma vida mais digna para si e para os outros. Acredito que seja nesse grupo que se encaixa o Pró-Pós.

Esse motivo por si só já é o bastante para nos vermos inclinados a apoiar os mais diversos movimento sociais. Entretanto, não temos a ambição de, sem conhecimento, debate e consenso dentro do grupo, apoiar qualquer movimento. Dessa forma, é preciso que nos limitemos às lutas nas quais nossos participantes já se envolvem. E violência é algo que revolta a todos nós, independente da área, do tema de pesquisa, de ser pós-graduanda ou pós-graduando.

Por isso manifestamos nosso apoio à Marcha das Vadias, acreditando no poder informativo da mesma e sua importância no processo de conscientização pelo fim da violência contra a mulher, bem como sua luta contra o sexismo. Marchamos juntos porque defendemos igualdade entre homens e mulheres no meio acadêmico, porque zelamos por respeito entre professores e alunas/os, porque é preciso viver em paz também para desenvolver pesquisas. Marchamos juntos porque, afinal, se mexeu com uma, mexeu também conosco.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Mera caridade

Da APOGEEU (Associação de Pós-Graduandos - FEEC - Unicamp)

Alguma vez você já assistiu ou leu uma matéria de jornal falando sobre algum avanço científico realizado em alguma universidade brasileira e notou que, ao falar do autor desse avanço, o jornal se referiu a ele como "pesquisador", não como "professor"? Normalmente quando isso ocorre o tal pesquisador é um aluno de mestrado ou doutorado naquela universidade.

Com a exigência cada vez maior do aumento de qualidade e de eficiência na universidade o trabalho de um professor tem ficado mais e mais corrido. Ele precisa preparar aulas para graduação e pós-graduação, preparar e revisar artigos, participar de comitês científicos, desempenhar funções administrativas dentro da universidade, orientar seus alunos de mestrado e de doutorado e manter-se atualizado sobre os mais recentes desenvolvimentos científicos em sua área de atuação. Tantas tarefas a serem feitas em tão pouco tempo, junto com uma crescente demanda pela publicação de trabalhos (a chamada política do "publique ou pereça"), fazem com que a função de um professor seja cada vez mais a de um líder de grupo de pesquisa do que a daquele velho cientista solitário. Nessa posição de líder, cabe ao professor definir as frentes que serão abordadas pelo grupo e orientar em algumas das decisões de como as pesquisas serão feitas, ficando a cargo de seus alunos (especialmente os de pós-graduação) o papel de desenvolver o estudo em si através de profundos levantamentos bibliográficos, projetos de experimentos, muitos e muitos dias em laboratório e, por fim, a apresentação dos resultados obtidos. Esta situação é tão real que atualmente é considerado quase impossível que um professor tenha relevantes trabalhos de pesquisa sem que ele esteja envolvido com a pós-graduação de sua faculdade. Aliás, nesta mesma noite de domingo em que escrevo este texto, muitos pós-graduandos estão trabalhando arduamente em seus laboratórios ou mesmo em suas casas, realizando experimentos, lendo ou escrevendo artigos científicos, ou preparando aulas que deverão ministrar para alunos de graduação. Provavelmente vários destes futuros mestres e doutores passarão esta noite em claro para conseguir terminar seus trabalhos.

No entanto, apesar de todo esse esforço exigido destes pesquisadores, seu trabalho quase nunca é reconhecido como tal pela sociedade. Quando uma pessoa pergunta a alguém "o que você faz?" e ouve como resposta de seu interlocutor que ele faz mestrado ou doutorado a reação mais comum que ela terá é perguntar "mas você só estuda, não trabalha?". Claro, não se pode culpar o "cidadão comum", afinal o meio científico poucas vezes fez questão de se apresentar ao grande público. O triste, porém, é que este mesmo comportamento também é visto onde mais se esperaria alguma forma de apoio e reconhecimento, nas agências federais de incentivo à pesquisa e à pós-graduação. Ao que parece, a CAPES e o CNPq vêem as bolsas pagas aos alunos de pós como ações de caridade, o que pode ser notado no fato de que, apesar de o Governo Federal propagandear o crescimento da participação brasileira na produção científica mundial (feito principalmente sobre as costas dos alunos de mestrado e doutorado), o último reajuste dos valores da bolsa foi feito em 2008, há mais de 3 anos, não havendo qualquer sinalização de aumento nem mesmo para 2012! A situação mostra-se ainda mais grave quando se considera que um aluno de pós-graduação não possui direitos trabalhistas, como previdência social, férias ou décimo-terceiro. O único direito garantido, que é a licença-maternidade, foi conseguido apenas no último ano, após muita luta.

As dificuldades iniciam-se logo quando o aluno ingressa na pós: como esta etapa da vida demanda muito trabalho, é comum os professores cobrarem que os pesquisadores de seu grupo dediquem-se exclusivamente a seus mestrados e doutorados, eliminando, assim, a possibilidade de que eles se sustentem através de um outro emprego. Porém, como as agências federais cobram que as universidades ocupem sempre todas as bolsas disponibilizadas a elas, poucas destas podem ser reservadas para os novos alunos. Isso faz com que quando alguém ingresse na pós esta pessoa não tenha quaisquer garantias sobre quando irá começar a receber sua bolsa, ou mesmo se irá recebê-la. A escolha pela dedicação exclusiva à pós-graduação torna-se, assim, um tiro no escuro. Caso o aluno tenha sorte e consiga sua bolsa ele já irá encontrar um valor muito defasado, porém ao longo dos anos a situação irá se tornar ainda mais difícil. Os reajustes de valores realizados são sempre muito esporádicos de forma que, ao final de sua pós-graduação, um aluno de doutorado poderá ter perdido um quarto de seu poder de compra. Esta situação faz com que muitos dos futuros doutores cheguem aos 30 anos sem qualquer patrimônio, dinheiro para emergências ou mesmo contribuição para o INSS. Creio que, com o que já foi exposto, não seja necessário dizer o quanto constituir família é uma decisão difícil durante este período.

Concentrando-se apenas em engenharia e tecnologia, cuja falta de profissionais é apontada como um dos atuais limitantes para o desenvolvimento do país, o baixo número de mestres e doutores na área é tamanho que motivou a Comissão de Serviços e Infraestrutura do Senado a recentemente propor uma lei que flexibilizasse a exigência de pós-graduação para professores destes cursos. Também, pudera, por lei o salário-mínimo de uma pessoa formada em engenharia, trabalhando 8 horas por dia, é de cerca de R$ 4.600,00 enquanto que a bolsa de mestrado para a mesma pessoa formada em engenharia é de apenas R$ 1.200,00. Assim, os poucos interessados em fazer uma pós-graduação na área o fazem só por idealismo -- de serem professores, de estarem sempre juntos ao limiar do conhecimento ou de ajudarem o país. Isto é insuficiente para o Brasil, que precisa tanto resolver gargalos de infraestrutura e gerar riqueza para resolver seus problemas sociais. Fica claro, portanto, que mantida essa política governamental de desvalorização dos futuros mestres e doutores essa deficiência de pessoal capacitado no país irá se perpetuar.

Não apenas para a formação de professores universitário, o maior incentivo à pós-graduação em engenharia e tecnologia é necessário também para que o país possa gerar conhecimento e inovações próprias, deixando de ser apenas um importador de tecnologias. Esta demanda fica ainda mais necessária nesse momento em que indústrias têm migrado de todo o mundo para países com mão-de-obra barata, mantendo-se nacionais apenas os serviços que exigem alto nível de especialização. Esta situação, que começa a ser vista também no Brasil, pode ser observada nos EUA, onde o projeto de dispositivos de alta tecnologia é feito em solo americano mas a produção industrial deles é realizada principalmente na China. Assim, as empresas não inovadoras estão fadadas a serem "exportadas" para outros países. Nas vezes em que buscou investir em pesquisa e desenvolvimento o Brasil teve experiências positivas, como pode ser visto na agricultura, na exploração de petróleo e na aviação. É importante ressaltar que, para cumprir esse objetivo, é preciso atrair para a pós-graduação mais pessoas com alta capacidade, algo que depende muito do aumento do valor das bolsas de pós-graduação e não apenas do aumento do número destas, que é a política adotada pelo Governo Federal e por suas agências nos últimos anos.

O aumento apenas do número de bolsas de pós-graduação parece ser parte de uma política que busca colher apenas resultados eleitorais, afinal um aumento no número de inscritos em mestrados e doutorados é muito mais impactante no ouvido do eleitor do que o reajuste do valor das bolsas. Esse mesmo tipo de comportamente pode ser visto no programa Ciência sem Fronteiras, que pretende oferecer 75 mil bolsas para que alunos de graduação e de pós tenham experiências internacionais. Com certeza essa é uma nobre ideia, mas cabe também notar que atualmente já há bolsas disponíveis para esta finalidade que sequer são preenchidas por falta de procura. Sendo o caso, não seria mais adequado para o país que estes recursos fossem aplicados para a melhoria das condições da pós-graduação no país?

Apesar de problemas nas políticas da CAPES e do CNPq, certamente muitas das atitudes exigidas para sanar os problemas aqui levantados exigiriam mais recursos para a Ciência, a Tecnologia e o Ensino Superior. Assim, peço aos senhores deputados, que estão no momento preparando o orçamento da União, que pensem sinceramente no Brasil que precisamos para o futuro e quais são as formas como poderemos alcançá-lo. Creio que todos verão o papel crucial que a pós-graduação tem para esse novo país.

Fonte: http://www.apogeeu.fee.unicamp.br/notícias/3042